ATA DA VIGÉSIMA SEXTA SESSÃO SOLENE DA QUINTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NONA LEGISLATURA, EM 01.09.1987.

 


Ao primeiro dia do mês de setembro do ano de mil novecentos e oitenta e sete reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Vigésima Sexta Sessão Solene da Quinta Sessão Legislativa Ordinária da Nona Legislatura, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadã Emérita a Sra. Rose Marie Reis Garcia, concedido através do Projeto de Resolução nº 32/86 (proc. nº 2461/86). Às dezesseis horas e quarenta minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancadas a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a  Mesa: Ver. Frederico Barbosa, 2º Secretário da Câmara Municipal de Porto Alegre, presidindo os trabalhos da presente Sessão; Prof. Jairo Peres Figueiredo, Diretor do Instituto de Artes da UFGRS, representando o Magnífico Reitor Prof. Francisco Ferraz; Prof. Rui Barcellos, representando neste ato o Prof. Joaquim José Felizardo, Diretor da Divisão de Cultura, SMEC; Sr. Antonio Augusto Fagundes, Diretor Técnico do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore; Dr. Rodi Pedro Borghetti, Diretor Administrativo do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore; Dr. Júlio Brunelli, Ex-Deputado Estadual; Profª. Rose Marie Reis Garcia, Homenageada; Sr. João Nogueira, esposo da Homenageada; Ver. Hermes Dutra, proponente da Sessão e, na ocasião, Secretário “ad hoc”. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra ao Ver. Hermes Dutra que, em nome das Bancadas do PDS, PMDB, PSB, PL, PC do B, PDT e PFL, discorreu sobre a importância da Profª. Rose Marie Reis Garcia para o nosso folclore, como pesquisadora e diretora do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore. Fez um breve relato da vida profissional de S.Sa., comentando a imensa capacidade de trabalho da homenageada e a sua dedicação ao folclore gaúcho. Falou sobre o Projeto Pró-Memória dos CTGs, de autoria da homenageada, que visa estimular o registro da atuação e história de cada Centro de Tradição. Atentou para o livro “Pregões Populares de Porto Alegre”, escrito pela Profª Rose Marie Reis Garcia, em conjunto com a Profª. Ilka Herrmann, que em breve deverá estar à venda, o qual enfoca os atuais e antigos anúncios de vendedores de rua. A seguir, o Sr. Presidente leu correspondência recebida pela Casa, relativa à presente Sessão e convidou os presentes a assistirem, de pé, à entrega, pelo Ver. Hermes Dutra, do Título Honorífico de Cidadã Emérita a Sra. Rose Marie Reis Garcia. Em prosseguimento, o Sr. Presidente concedeu a palavra à homenageada, que agradeceu o título recebido. Após, o Sr. Presidente fez pronunciamento alusivo à solenidade, convidou as autoridades e personalidades presentes a passarem à Sala da Presidência e, nada mais havendo a tratar, levantou os trabalhos às dezessete horas e trinta minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Frederico Barbosa e secretariados pelo Ver. Hermes Dutra, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Hermes Dutra, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1ª Secretária.

 


O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Hermes Dutra, que falará em nome das Bancadas do PDS, PMDB, PSB, PL, PC do B, PDT e PFL.

 

O SR. HERMES DUTRA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, estamos reunidos, aqui, para homenagear a Professora Rose Marie Reis Garcia, homenagem esta que se traduzirá com a concessão do título honorífico de Cidadã Emérita de Porto Alegre.

Desnecessário é dizer-se que a homenagem é merecida, porém, é gratificante poder dizer que a minha proposição de concessão do título foi aprovada pela unanimidade dos Vereadores desta Casa Legislativa.

Possui a Professora Rose Marie qualidades pessoais que a dignificam. Humilde, com uma elevada dose de orgulho (positivo, é claro) por ser o que é, através do esforço, imensurável, que a faz buscar em tudo a que se propõe, a realização perfeita de sua meta. E, em se tratando de Rose, a perfeição é uma característica que lhe é muito própria, entre outras tantas qualidades que a tornam apreciada e admirada por todos quantos com ela convivem.

Com elevado espírito de doação, extremo grau de responsabilidade, está sempre disponível a qualquer solicitação que lhe seja feita, dentro de sua gama de conhecimentos.

Recatada e discreta, é dona de uma sensibilidade aguçada, o que bem se traduz por sua tendência para a Música, manifestada, aliás, desde muito cedo, pois, já aos cinco anos de idade, apresentava-se em público tocando gaita como uma verdadeira criança prodígio. Essa sua tendência à musicalidade e aos estudos que, mais tarde centrariam sua carreira profissional, deve-se, em parte, às suas origens: oriunda de família campeira e de músicos, o pai, Senhor Mário Reis, tinha meio-sangue índio e tocava clarinete; a mãe, Dona Odete, professora de piano, orgulha-se de sua ascendência açoriana e, Rose, desde cedo demostrou sua profunda natureza de artista nata.

De competência reconhecida, Rose é dotada de extrema capacidade o que, aliada ao seu dinamismo, faz com que as pessoas que com ela participem de algum grupo de trabalho, voltado a uma determinada tarefa, se sintam profundamente motivados, tamanho o entusiasmo e a empolgação que apodera-se dela em tudo o que se refere à sua especialização. Destaca-se, naturalmente, pelo seu esforço, inteligência e conhecimento profundo das coisas relacionadas com seu campo de atuação sem, contudo, utilizar-se desses seus atributos para tentar alcançar maior ou menor prestígio ou buscar posições destacadas, o que normalmente acontece, a bem da verdade, porém, por seus méritos que são identificados por todos quantos admiram e reconhecem o valor profissional desta professora que, desde muito cedo, distinqüiu-se dentre os demais profissionais na área.

Dedicou e dedica a maior parte de sua vida às atividades ligadas à cultura, mais especificadamente ao Folclore; e, por ele, pela sua especialização como Etnomusicóloga, aliados aos seus outros tantos conhecimentos, foi aos mais recônditos lugares das zonas rurais e urbanas, coletar e observar  “in loco” hábitos e costumes dos habitantes daquelas regiões, tornando possível, desta maneira, desenvolver a tese que defendeu com o título “Brincadeiras espontâneas, auto-estima e aceitação social da criança pelo grupo lúdico”, demostrando como o Folclore pode dar sua contribuição para descobertas nos campos da Psicologia e da Sociologia. É profundamente gratificante para todos nós, em especial para mim, proponente da homenagem, saber que alguém, embora não tão reconhecidamente como deveria até o dia de hoje, busca nas raízes de nossa cultura demonstrar, de uma forma ou de outra, nosso passado. Nossos antecessores nos deixaram um legado que, queiramos ou não, norteia nosso presente e até deixa-nos orgulhosos dessa permanência entre nós, de experiências  vividas, talvez bem mais intensamente.

Seria para mim tarefa bastante agradável, embora longa, discorrer sobre Rose Marie Reis Garcia e mencionar os vários títulos que possui, dos trabalhos publicados, das atividades que exerce atualmente, das pesquisas científicas a que se dedica, das teses defendidas e, ainda, dos trabalhos em elaboração que esta professora, que dedicou treze anos ao magistério municipal e estadual, teve e tem em sua trajetória profissional. Porém, vou neste momento, citar alguns, dentre os tantos acima mencionados.

A brilhante carreira de Rose, iniciou-se em Pelotas, seu berço de nascimento, onde formou-se professora no Instituto de Educação Assis Brasil, aos 19 anos de idade, com láurea e medalha de ouro, tendo obtido nota máxima em todo o curso.

Em 1965, chega a Porto Alegre e começa, pouco tempo depois, a dedicar-se profundamente à Música, sua maior aspiração. Em 1973, ingressa no Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde quatro anos mais tarde concluiu sua graduação em Música com láurea, iniciando, dessa forma, sua carreira como estudiosa e pesquisadora de folclore ligado à música, face ao convite para ministrar aulas na própria faculdade que a laureou.

Ainda, especializou-se, igualmente laureada, em Pesquisas Folclóricas, no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, sob o patrocínio da Campanha de Defesa ao Folclore Brasileiro, em Recife, Pernambuco.

Distinguia com inúmeros prêmios e especializada em Etnomusicologia pelo Instituto Interamericano de Etnomusicologia y Folklore - Cararas, Venezuela, Rose participou nesse Curso, como representante do Brasil, na Organização dos Estados Americanos. E é com visível orgulho, embora comedida e discreta, que ela expressa seu conhecimento sobre o rico potencial deste folclore maravilhoso e, ainda quase inexplorado, do Rio Grande do Sul.

Uma de suas mais marcantes experiências aconteceu em 1983, quando um fato pioneiro marcou sua vida profissional: assumiu a Diretoria Técnica da Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore (nenhuma mulher havia, até então, ocupado esse posto). A imprensa toda, na época, noticiou o fato.

A presença e o profissionalismo de Rose, como cientista voltada à pesquisa do Folclore, notadamente o folclore gaúcho, transmite aos seus discípulos e seguidores, uma gama de razões para valorizarem e preservarem as suas tradições, vivenciando-as com orgulho dentro de seu grupo social e estabelecendo uma identidade natural e espontânea com essas tradições. De uma certa forma, este procedimento evita com que o consumismo exagerado e a avassaladora entrada de elementos estrangeiros no nosso meio cultural venha a descaracterizar nossa própria cultura.

Enquanto Diretora Técnica do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore e colaboradora do Movimento Tradicionalista Gaúcho, criou mais de dez (10) projetos, dentre os quais um deles destacou-se, por ocasião da Convenção Tradicionalista, em 1986, sendo aprovado com louvor: Projeto Pró-Memória dos CTGs, no sentido de estimular o registro da atuação, da história de cada Centro de Tradição.

Rose Marie Reis Garcia, atualmente, além de professor-adjunto do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, (ministrando aulas em seis disciplinas nos cursos de Graduação em Música, Artes Plásticas e Cênicas); Etnomusicóloga e Assessora Técnica do Gabinete de Pesquisa Folclóricas no Departamento de Música; docente no curso de Pós-Graduação em Folclore, mantido pela Faculdade de Música Palestrina, tem sido representante do Brasil em vários seminários e Congressos no Exterior, ligados à sua especialização, sempre projetando a cultura popular do Rio Grande.

Como correspondente de revistas e Institutos especializados na Alemanha, Portugal, Venezuela, Argentina, Uruguai, Guatemala e México, aumenta cada vez mais seus conhecimentos ao mesmo tempo em que divulga, lá fora, o nosso passado e presente cultural.

Rose Marie Reis Garcia, a partir da data de hoje Cidadã Emérita de Porto Alegre, na opinião de alguns, igualmente, importantes estudiosos dessa Ciência que busca reunir, através de pesquisas incomuns, modos de sentir, pensar e agir, próprios às camadas populares, é na atualidade, o mais importante nome feminino na cultura diretamente voltada para o Rio Grande do Sul, sua terra, sua gente.

Talvez tenha sido até um pouco fastidioso lembrar um pouco desse imenso causal que é a Professora Rose Marie, mas o fiz por dois motivos: em primeiro, para que os Anais desta Casa registrem, efetivamente, que é a professora que estamos homenageando, e, em segundo lugar, porque acho que esta Casa também tem o dever de resgatar um pouco o nome de Rose Marie, infelizmente levado à polêmica, por alguns, altamente indesejável e, sobretudo, prejudicial à música e ao folclore do Rio Grande do Sul.

Não posso, dessa forma, ao falar em Rose, dissociar sua pessoa do objeto no qual investe a maior parte de sua existência profissional: o Folclore.

Esta professora que, embora com todos os afazeres pertinentes à sua condição de mulher, casada em segundas núpcias com um gaúcho de Uruguaiana, João Nogueira - excelente cantor, segundo Antônio Augusto Fagundes - mãe dedicada e avó orgulhosa, conta, sobretudo, com o apoio e incentivo do marido para prosseguir em sua expedição de resgate aos legados importantes e verdadeiros testemunhos da sabedoria das gerações passadas que, ainda hoje, permanecem vivos nos usos, costumes, nas superstições, lendas, crendices; na gastronomia, rica de variedades; nas indumentárias e na música, verdadeiros festivais de cores e sons.

Apesar de todos os estudos já realizados, no Brasil, o folclore ainda se encontra em estado de ebulição, pois, e principalmente no Rio Grande do Sul, a formação do povo é - segundo Jorge Salis Goulart - uma “Babel de Raças”, muitas das quais de caracteres opostos, de psicologia antagônica e que, no grande cenário da terra gaúcha, “no cadinho misterioso das seleções étnicas”, vão apurando, dia a dia, as qualidades e manifestações predominantes que hão de colocar o nosso povo entre os mais empreendedores, os mais enérgicos, os mais civilizados e os mais fiéis às suas ricas tradições.

É curioso e fascinante olharmos o mapa etnológico do Rio Grande do Sul e concluirmos que, devido à miscigenação, o fator que distingue o tipo étnico que ainda está se formando em nosso Estado (ainda não temos um tipo definido de riograndense), é este enorme contingente de raça branca fundida com menor coeficiente de sangue indígena e africano, embora tenha sido o cruzamento, evidentemente maior, com o índio guarani. Deste modo, os elementos que contribuíram e ainda contribuem para nossa formação étnica, apresentam uma grande heterogeneidade. Esta mescla de raças e cores confundem-se em nossos costumes, em nossa cultura, em nosso folclore, pincelando-o com uma infinidade de matizes, pouco desvendados e reconhecidos através do trabalho árduo da Professora Rose Marie Reis Garcia.

Rose tem consciência da responsabilidade e do significado do seu trabalho, pois, toda uma sociedade se vale do folclore e intervêm, permanentemente, nas formas finais por ele assumidas, numa perfeita harmonia de formação e contribuição mútua.

Variada, diversa, multiforme, policrômica, a ciência do folclore apresenta uma unidade indissolúvel. Nenhum dos seus elementos pode viver isoladamente de, pelo menos, alguns outros. E, quando estes elementos não se revelam de modo ostensivo, há os gestos, as palavras, os impulsos, as inclinações, as reações e atitudes populares, mais ou menos estereotipadas, que lhes tomam o lugar. A poesia está, habitualmente, ligada à música e, na maioria das vezes, à dança e à representação. A música exige instrumentos próprios; a dança e a representação, de um modo geral, impõem vestimentas especiais e distintivas, que apoiam e se tornam inseparáveis do todo. Todos esses elementos, esses usos e costumes do povo gaúcho, tem a sua moldura própria nas festas tradicionais, em que cabem e a que são atraídos todos os demais elementos - a decoração das casas e das ruas, artes e artesanato, crendices e supertições, o comércio de comidas e bebidas, os transportes populares, etc.

Sem sombra de dúvida, trata-se de assunto fascinante, o que, aliás, levou a Professora Rose, em conjunto a Professora Ilka Hermann, a escrever o livro que levará por título “Pregões Populares de Porto Alegre”, já pronto e que breve estará entre nós e que enfoca os atuais e antigos anúncios de vendedores de rua, tão característicos de nossa Capital. Nele é apresentada a figura do pregoeiro, o histórico do pregão e a análise da estrutura, além da sua ascensão aos meios de comunicação - rádio e TV.

Mais modernamente, se observarmos o nosso cotidiano, estamos sempre a nos deparar com personagens chamados “folclóricos”, intrinsecamente inseridos no nosso contexto social e que bem podem ser razão de um dos trabalhos. Assim, podemos citar Bataclan, o “Gurizada Medonha” e Terezinha Morango.

Na verdade, fenômeno social e cultural ao mesmo tempo, a ciência do folclore situa-se, perfeitamente, no campo da pesquisa científica, visto seu estudo já recorrer a métodos e processos específicos para a análise e documentação de seus comportamentos. Quando a oficialização dessa Ciência acontecer e, nesse particular, cabe um pequeno parênteses, pois que os sonhos e ideais da Professora Rose ainda não foram totalmente realizados, no que diz respeito ao tema central de seus estudos. Ela ainda busca, preocupada com a valorização do Folclore nos meios intelectuais e do devido respaldo para o reconhecimento da profissão de folclorista no Brasil, que o Curso de Graduação em Folclore seja criado; quando o seu corpo de conhecimentos for disciplinado e sistematizado como idealiza a Professora Rose, nossa Cidadã Emérita de Porto Alegre, de maneira a trazer a paz e o reconhecimento aos especialistas e estudiosos, ainda que seja a paz instável reinante nas demais áreas do conhecimento, o folclore deixará de ser um passatempo de eruditos ou curiosos, como muitos o definem, para tornar-se um poderoso instrumento de descoberta e revelação da vivência e do sistema comportamental de toda a humanidade.

Por tudo isso, Rose tem, ao longo de sua carreira, dado mostras da importância do seu trabalho e da seriedade com que o desenvolve, tornando-o brilhante, tendo, com isso, múltiplas razões para orgulhar-se de si e de seus jovens orientados que, seguindo sua mesma linha de ação, vêm realizando significativas contribuições ao Folclore e também à Educação. Pode-se dizer que, por sua formação didática, por seu conhecimento aprofundado e cientificamente analisado, Rose criou ao seu redor uma “Escola de Técnicos em Folclore”, formada por estudiosos que, mesmo após terminarem seus cursos oficiais, estão junto a ela, buscando apoio técnico e, quem sabe, caracterizando-se como uma “Célula-Mater” de profícuos trabalhos de folclore para o Rio Grande do Sul, para o Brasil e para o mundo.

Espero que minhas palavras tenham servido para tornar Rose - essa excepcional e pioneira mulher - conhecida dos que ainda não tinham tido a oportunidade de conhecê-la, e mais informadas ainda aquelas pessoas que com ela tenham relações de convivência, da mesma forma e intensidade com que Rose ambiciona ver conhecido e apreciado por todos os rincões do nosso País e quiçá do mundo inteiro, os elementos formadores do nosso folclore; seu colorido, nossas músicas, nossas danças, nossa culinária, nossa indumentária, nossos jogos, nosso chimarão, nossas festas, nossos usos e costumes, enfim, tudo que se vincula ao modo de vida do gaúcho.

Rose Marie Reis Garcia, para isso, busca, pesquisa, estuda, luta e desbrava nossos sertões e territórios vizinhos, tal como uma verdadeira bandeirante moderna que vai, não em busca de ouro e pedras preciosas, mas sim de algo muito mais valioso, que se perpetua e materializa através do seu trabalho, que são os nossos costumes, a nossa tradição e a nossa cultura.

Não sei se fui longo demais. Talvez até tenha sido enfadonho. Mas como conseguir dizer tudo isso de uma mulher que, apesar de ser tudo isso, continua sendo esta pessoa que vocês estão vendo, uma professora, uma mãe e uma avó! E esta homenagem de hoje tem também o caráter de resgatar não só a memória da Cidade, para preservar o nome daqueles que, humanamente, dedicam o seu trabalho em benefício de uma ciência, mas, sobretudo, para resgatar valores que, infelizmente, muitos não olham, ou fazem que não querem ver. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Presidência dos trabalhos gostaria de dar ciência à homenageada, aos convidados que aqui estão e aos Vereadores, que recebeu algumas manifestações, com referência à homenagem à Prof.ª Rose Marie Reis Garcia, entre as quais da Sra. Maria do Rosário de Souza Tavares de Lima, da Associação Brasileira de Folclore, do Sr. Gilberto Mosmann, Secretário da Indústria e Comércio do Rio Grande do Sul, e do Governador do Estado, Dr. Pedro Simon.

Convido a todos para, em pé, assistirmos à entrega do Diploma do Título de Cidadã Emérita de Porto Alegre à Sra. Rose Marie, a ser entregue pelo autor da proposição, Ver. Hermes Dutra.

 

(O Ver. Hermes Dutra procede à entrega do Título.) (Palmas.)

 

É com muita honra que concedemos a palavra e a tribuna da Câmara Municipal de Porto Alegre a nossa homenageada, Prof.ª Rose Marie Reis Garcia.

 

A SRA. ROSE MARIE REIS GARCIA: Digníssimo Ver. Frederico Barbosa, 2º Secretário da Câmara Municipal de Porto Alegre, presidindo os trabalhos da presente Sessão Solene; Prof. Jairo Peres Figueiredo, Diretor do Instituto de Artes da UFGRS, representando o Magnífico Reitor o Prof. Francisco Ferraz; Sr. Antônio Augusto Fagundes, Diretor Técnico do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore; Dr. Rodi Pedro Borghetti, Dir. Administrativo do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore; Dr. Julio Brunelli, ex-Deputado Estadual; meu esposo João Carlos Nogueira; Srs. Vereadores e demais autoridades presentes ou representadas, prezados familiares, colegas, amigos, alunos, senhoras e senhores:

O presente momento é de imensa felicidade ao receber esta distinção que me é outorgada pela Câmara Municipal de Vereadores de Porto Alegre. Momento que traduz reconhecimento e carinho da Cidade que me acolhe desde 1965 e a qual escolhi para ser o centro de minha realização pessoal e profissional.

As razões deste tipo de homenagem estão sempre ligadas a um somatório de ações por parte do homenageado. As minhas situam-se no campo da Música, do Folclore e da Educação. A essas três áreas tenho me dedicado com igual afinco, buscando dar minha contribuição, quiçás modesta para a grandiosidade de cada uma delas, mas que representa o retorno de um investimento cultural que a família, o governo e a própria sociedade fizeram ao me privilegiar com um  aprendizado constante em fecundas escolas e junto a eméritos professores no Brasil e no Exterior.

Nessa ordem, as primeiras pessoas a quem tenho de agradecer são meus pais que souberam ajudar-me, desde menina, a desenvolver um potencial inato para a música. A eles, também, o meu agradecimento por terem-me permitido começar a trabalhar aos 13 anos de idade, após a conclusão dos cursos de Teoria e Solfejo, e Acordeon, tendo meus alunos particulares de gaita e mais tarde de letras, e, posteriormente, acompanhando grupos de dança. Essa combinação de trabalho e estudo, ao qual dei continuidade, foi muito proveitosa, pois passei a viver a dimensão de um crescimento integrado.

Já formada como normalista pelo Instituto de Educação Assis Brasil, de Pelotas, vim residir em Porto Alegre. Meu primeiro emprego foi na Prefeitura Municipal, como alfabetizadora, tarefa que cumpri com imensa alegria, por muitos anos, descobrindo em cada criança que alfabetizava o significado de “ajudar o ser”, abrindo possibilidades para o conhecimento.

Em minha carreira, várias pessoas foram importantes. Na impossibilidade de nomear a todas, escolhi a representatividade de duas professoras que são por demais significantes, desde longa data, e sem as quais, certamente, eu não chegaria onde estou. A elas, passo a referir-me, pois, expressando todo o meu reconhecimento e gratidão.

Minha vida começou a mudar sensivelmente ao participar do Curso de Regência Coral, oportunizado pela SMEC em 1969, para professores de música. A figura ímpar de Leda Falcão de Freitas, docente do referido curso, com sua competência, bondade e energia, viu em mim condições para alcançar outro nível de trabalho. Indicou-me à Superintendente de Ensino Municipal, assistente social Nara Costa Rodrigues, de quem recebi todo o apoio para coordenar os professores de Música das Escolas Municipais, e insistiu comigo para que ingressasse no Curso Superior de Música, o que efetivamente aconteceu. À tia Leda, como costumo chamá-la carinhosamente, devo a maior parte de minha formação musical. Graças a ela, tive, depois de egressa, meu nome indicado para lecionar no Instituto de Artes da UFRGS, como sua colega, contando com o aval favorável da Profª Geni Hilgert, chefe do Dep. de Música, na época, e seu respectivo Colegiado. Foi também Leda Freitas quem me incentivou a cursar o Mestrado em Educação na PUC dando-me todo apoio. Jamais poderei retribuir-lhe o que fez por mim. Ela é minha amiga e credora para a eternidade.

Foi no Instituto de Artes que conheci, primeiramente, como professora e depois como colega aquela que viria a ser minha amiga mais íntima e que passou a me orientar no estudo científico do Folclore: Ilka d’Almeida Santos Hermann, com quem tenho a honra de fazer pesquisas e ter escrito livros em co-autoria o mais recente deles, e que se encontra em revisão, leva por título “Preções Populares de Porto Alegre”. Idealizadora e coordenadora do Gabinete de Pesquisas Folclóricas no qual atua, a professora Ilka foi uma pioneira no sentido de valorizar a cultura popular nos estudos de âmbito Universitário, propugnando sempre pela sua obrigatoriedade. Graças a seu estímulo, fiz os cursos de Pesquisas Folclóricas, no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, em Recife, e, posteriormente o de Pós-Graduação Etnomusicologia, em Caracas, sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos. A Professora Ilka é aquela pessoa de confiança que opina, em primeira mão, sobre quase tudo o que escrevo a respeito de Folclore e de Música. Sua crítica abalizada me leva a um crescimento na difícil missão de redigir trabalhos técnico-científicos. A ela, meu agradecimento pelo apoio permanente e pela amizade que cultivamos.

Seria injusto nesse momento deixar de distinguir ainda a professora e folclorista Lilian Argentina Braga Marques Técnico da IGTF com quem tenho realizado importantes pesquisas no Rio Grande do Sul, aproveitando muitíssimo de sua experiência e capacidade de trabalho nessa área. Temos dois livros escritos em co-autoria: “Brincadeiras cantadas” e “Danças Folclóricas - RS”, a serem lançados brevemente.

A compreensão de meu esposo João Carlos Nogueira para com as implicações de minha profissão é deveras algo digno de aplauso. Imponho-lhe, sem querer, uma certa solidão em família, seja quando viajo para fazer coletas de campo (ele me acompanha sempre que pode), ou quando passo horas absorta, redigindo capítulos ou transcrevendo música. Sua presença e sua palavra me conforta em todas as ocasiões. A ele meu agradecimento muito especial. Igualmente agradeço aos filhos o apoio de sempre, e a alegria pela chegada dos netos.

Apesar de ter-me dedicado de igual maneira à Música, à Educação e ao Folclore, reconheço que é neste último campo que tive a felicidade de contribuir mais, até o presente, dando, além de meu desempenho pessoal como pesquisadora e docente, um grande impulso carreando técnicos e financeiros de órgãos nacionais e internacionais para investimento nessa área. Nesse sentido, cresci muito como profissional ao exercer a Direção Técnica do Inst. Gaúcho de Trad. e Folclore.

Folclore é termo que no Brasil designa a ciência que estuda os fatos folclóricos; e é também, o fato em si. Entendendo folclore como as manifestações espontâneas, de ordem material e espiritual, aceitas pela coletividade, com caráter de tradicionalidade e funcionalidade, compreende-se porque conhecê-lo e vivenciá-lo é tão importante para o desenvolvimento do processo de aquisição de identidade cultural.

Folclore é a base na cultura de uma sociedade letrada, é o passado no presente; é “um modo de sentir, pensar e agir que os membros da coletividade exprimem e identificam como seu, sem que a isto sejam levados por influência direta de instituições estabelecidas”. O fato folclórico é essencialmente dinâmico, sendo vivido e revivido por seus portadores, “inspirando e orientando o seu comportamento”; “como expressão de experiência, encontra-se em constante reatualização”. A valorização que a ele se dá está relacionada, entre outros aspectos, com o nível de aceitação que se tem de nosso estágio evolutivo. A cópia de modelos estrangeiros será superada, na medida em que sentimos a importância de nossa herança cultural. Querendo conhecê-la e preservá-la, fortalecemo-nos para o futuro.

Alguns fatos concretos vem nos mostrar que essa valorização está se ampliando no Rio Grande do Sul. Refiro-me ao crescente interesse geral pelo folclore. Interesse que pode ser observado desde a expressão do hábito de tomar chimarão entre jovens, adultos e velhos, principalmente nas zonas urbanas, até o surgimento de novos pesquisadores que, com propriedade dedicam-se ao estudo dessa ciência e começam a lançar obras, enriquecendo a bibliografia especializada.

A recente aprovação na Assembléia Legislativa de projeto, tornando obrigatório o ensino de folclore nas escolas de 1º grau, essa antiga aspiração dos tradicionalistas que agora vêem-na alcançada. Um trabalho sistemático nesta área, aproximará, sem dúvida, a educação formal da não formal, promovendo-se um ensino mais consoante com a realidade regional. Elaborei, em 1979, um estudo inicial sobre a metodologia para aproveitamento do folclore na escola de 1º grau, que agora me animo a retornar, pensando em sua aplicabilidade.

Mas o panorama cultural de nosso Estado é ainda mais promissor. Basta citar o fenômeno dos festivais. A 1ª Califórnia da Canção, realizada pelo CTG Sinuelo do Pago em Uruguaiana em 1971, ensejou o surgimento de inúmeros festivais de Música Nativista Gaúcha. São cerca de 68, atualmente, contando-se os de pequeno, médio e grande porte. Todos apresentam entre seus objetivos a intenção de “valorizar as raízes culturais”, “preservando as tradições rio-grandenses para a salvaguarda de nossa identidade”.

Meritórios festivais que chamaram a atenção deste País-Continente e dos Países Vizinhos, para a música do Rio Grande do Sul, aumentando, consideravelmente, o mercado de trabalho para compositores, músicos, letristas e intérpretes, deixando preciosa memória sonora através da discografia editada.

Sabem, os estudiosos, que essas músicas dos festivais  não são folclóricas hoje. São classificadas como popular regional, dada a exigência de autoria e de ineditismo, condicionantes para concorrer. Entretanto, pode-se supor que várias delas no decorrer das próximas décadas, entrarão em processo de folclorização, ingressando no patrimônio como música tradicional, enriquecendo esse repertório para o século XXI.

Igualmente, o folclore é motivação para escritores, artistas plásticos e compositores de música erudita que vão plasmando, em suas obras, feições regionais, numa perspectiva artística avançada, de acordo com novas correntes e técnicas.

O tempo é curto para que possa conduzir a uma reflexão mais profunda das razões que estão levando nossos contemporâneos a essa valorização do folclore. Poderia, entretanto deixar algumas perguntas: - que ameaças pairam sobre nós que fazem espontaneamente buscarmos o fortalecimento cultural?

- Quando e como mediremos essa força de identidade?

- Qual será o papel das pessoas vulneráveis, ou seja aquelas que não incorporaram suficientemente elementos de identidade.

Tem se que pensar; o assunto é muito complexo e grave. O certo é que estaremos juntos na defesa daquilo em que acreditamos.

Encerrando, quero fazer um agradecimento especial ao Vereador Dr. Hermes Dutra, pela proposição de meu nome a este Título. A homenagem que hoje recebo é um marco em minha vida e representa um grande estímulo para que continue a trabalhar como venho fazendo, dando o melhor de mim e deixando discípulos que prossigam na minha missão de pesquisa e ensino.

Considero o Título de Cidadã Emérita uma distinção à figura feminina, mostrando a sensibilidade do reconhecimento de nossa Câmara Municipal de Vereadores á participação de mulher na área cultural e técnico-científica.

Muito obrigada a vocês. Muito obrigada a Porto Alegre, minha querida Cidade.

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Casa do Povo de Porto Alegre se vê, por força legal e regimental, e muito mais do que isto, por forças do amplo debate democrático que pretende sempre realizar, envolvida num diário debate muitas vezes árido, muitas vezes discutido, mas certamente um debate que tem como síntese chegar à média da opinião da Cidade de Porto Alegre através da maioria do voto de um Plenário composto por 33 Vereadores que representam os vários segmentos sociais. Entre todas as nossas atividades uma delas é voltada á homenagear legal e regimentalmente aquelas pessoas que, voltadas a um trabalho diário, e alguns inclusive anônimos, trazer com esta homenagem a público o reconhecimento da Cidade através daqueles que têm, como disse, obrigação legal e regimental de representar os moradores da Capital do Estado do Rio Grande do Sul. Neste sentido temos o extremo orgulho de sentir, semanalmente, nas mais variadas sessões em que pessoas com solicitações dos Vereadores recebem o título de cidadão ou cidadã emérita de Porto Alegre, nós temos, como disse, a maior satisfação em sentir, em vibrar junto, tanto com o homenageado e homenageada, como com seus amigos e amigas, no sentido de que o Vereador muitas vezes traz a público um nome que certamente a presença dos senhores e senhoras nesta Casa faz com que todos, além de muito especialmente o Ver. Hermes Dutra, do PDS, sintam imensa satisfação. Porque no reconhecimento da Casa há também o reconhecimento dos amigos e das amigas o que é nada melhor, no momento em que habitamos uma Capital tão atropelada por tantos problemas como todas as capitais do mundo moderno, enfim, de século 20.

Portanto, nós queremos deixar muito claro e muito objetivo que a presença do nome da Prof.ª Rose Reis Garcia, na galeria dos homenageados com o Título de Cidadão Emérito da Cidade de Porto Alegre, certamente honra esta Casa e honra a todos quantos receberam este Título até a presente data.

A nossa homenageada envaidece o Rio Grande do Sul, e não só Porto Alegre, levando para fora de nossas fronteiras a nossa História, levando para fora de nossas fronteiras o que fomos e, extrapolando as nossas fronteiras no que somos, num verdadeiro trabalho de divulgação da cultura da arte, e do folclore de nossa terra.

A Mesa da Câmara Municipal de Porto Alegre quer, neste momento, agradecer a gentileza de todos que aqui estão que, junto com todos os Vereadores, sentem a satisfação em homenagear a Prof.ª Rose Marie Reis Garcia. Certamente todos os que aqui estiveram estão prontos e ansiosos para cumprimentar a homenageada.

Ao encerrar esta Sessão Solene deixamos o agradecimento a todos presentes, especialmente às autoridades, aos componentes da Mesa, à homenageada, seu esposo João Nogueira, ao Prof. Jairo Peres Figueiredo, Diretor do Instituto de Artes da UFRGS, nesta ato representando o Magnífico Reitor Prof. Francisco Ferraz, ao Sr. Antônio Augusto Fagundes, Diretor Técnico do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, ao Dr. Rudy P. Borghetti, Diretor Administrativo do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore e ao ilustre rio-grandense, Dr. Júlio Brunelli, ex-Deputado Estadual.

Estão encerrados os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 17h30min.)

 

* * * * *